domingo, 17 de junho de 2018

Hoje vou morrer


Hoje vou morrer
Ontem, completei cem anos
Não lembro quem me plantou
Não esqueci da mãozinha que me regou
Todos os dias, no mesmo horário
Aquela delicada menininha
Trazia latinhas de água
Jogando na terra seca
Aquela água fria, pela terra escorria
Nas minhas raízes chegava
O tempo foi passando
Nós dois, juntos,crescemos
Se não fosse seu carinho
Dificilmente teria vivido
Alguns anos se passaram
Crescemos, amadurecemos e frutificamos
Belos e maravilhosos frutos produzimos
Os seus, de baixo de minha sombra cresceram
Adultos se tornaram
Foram embora para estudar
Muita saudade senti
Raramente nas férias apareciam
Sinto saudade das cócegas produzidas
Pelos seus pezinhos e mãos
Subindo pela minha galhada
Continuei com a companhia
Da minha amiga e protetora
Primavera e verão passaram
Para ela, os anos se mostrarem
Para mim, foram indiferentes
Fiquei maior, mais forte, vigorosa
Para minha companheira foi difícil
Acompanhei seu namoro
Festejei seu casamento
Embaixo do meu abraço,
Refresquei o sono de seus filhos
Ouvi seu choro quando partiram
Fui seu terapeuta nos momentos difíceis
Vi sua alegria, e comemorei
Assim como sofri com sua tristeza
Chorei quando o Pedro caiu dos meus braços
Quebrando o tronco em dois lugares
Até pensaram em me cortar
Momentos que compartilhamos
Um dia seu amado partiu
Por anos ouvi seu lamento
Até o dia em que também nos deixou
Pra mim foi o dia mais triste da vida
Minha amiga, companheira e protetora
Se foi
O vazio, a solidão, coisas que não conhecia
Começaram a fazer parte dos meus dias
Noventa e seis anos
Completou no dia em que viajou
Seus filhos, netos e bisnetos
Que pouco vinham
Apareceram indiferentes a tudo
Voltaram para seus lares
Ficando distantes por um grande período
Este ano retornaram
Resolveram vender a velha casa
Uma grande empresa comprou
Para construir um grande empreendimento
No projeto
Não cabe a velha casa e este pé de manga
Hoje a empresa de demolição vai derrubar a nós dois
Eu, e a velha casa da minha amiga

Um comentário: